27.12.10

Ocean Heaven


Acordei. Movi o braço lentamente tentando não deslocar sua cabeça. Queria começar o dia de forma diferente. Colocando as pernas para fora da cama, busquei os chinelos. Sentei. Você não acordou. Que bom resmunguei comigo mesmo. Podia voltar, me aconchegar novamente e dormir mais um pouco. Mas não consigo. Ou consigo ? Deito novamente ao seu lado, desajeitado, minha mão acariciando seus cabelos. Engraçado você dormir assim. Os olhos meio abertos, piscando rapido, sonhando. Entre a realidade e a fantasia. Gostaria de saber onde me encaixo.
Enfim levanto. Saio pelo corredor e abro a primeira janela que vejo. O dia ainda nao chegou, esta escuro, mas mesmo essa tenue luz me deixa zonzo. Desequilibro, sinto nauseas e volto procurando abrigo. Mas o quarto esta longe. Sento na sala no tapete. As pernas curvadas, resgatando a intimidade com meus pés. Penso que crescer é perder a intimidade com os dedos dos pés. Ainda ontem, criança eles não saiam de vista, fosse na idade mais tenra do contato com a minha boca, fosse dos muitos machucados das peladas nas ruas. Cresci, e eles ficaram distantes. Quando morrer então eles estarão tão longe quanto as estrelas, rijos, perpetuos em esquadro final.
Tentei fumar por diversas vezes, esses anos. Mas ainda odeio cigarro. Na hora até é agradavel, mas ressaca com gosto de tabaco é um soco na alma no dia seguinte. Preferia o gosto do beijo recente. Ela ainda dorme. Uma bebida, um pedaço de papel e caneta. Faço esforço para levantar-me de onde estou, mas ainda estou tonto pela luz do dia que se avizinha. Ganhei tanta intimidade nos olhos para o ambiente que deixei a pouco que pouco me importa o resto do mundo. Nesse meu pequeno paraíso. Escrevo a primeira frase. Achei melhor sequer voltar a ela. Se der muitas voltas eu não tomo coragem de dizer. E passei tantos anos as voltas com as repetições infinitas dos sentimentos que eu guardei para você. A minha cabeça ferve. Tantas coisas. Para ser ao menos mais simpatico coloco a segunda frase e a ela retorno numa leitura que guardou um singelo respeito : "Gosto quando usa batom vermelho, combina com seu rosto alvo e seus cabelos igualmente rubros. Gosto dos seus olhos cor de mel". Paro um instante tomo um gole de um bourbon qualquer da cristaleira, que consigo alcançar com meus pés (esses meus grandes amigos). A terceira, a quarta e a quinta frase. Paro e me contenho. Acho tudo uma grande repetição das coisas que passei a dizer em tom de oração. Queria poder fugir disto. Mas ao que parece novamente o "eu amo você", me volta em tom de redenção desta minha alma. Rabisco o papel, como se cortasse da minha propria carne, tentasse tirar a marca indelevel de como sou seu. E você ainda dorme. E sonha.
Escrevo. Entre goles e golpes da caneta.O plano inicial era ter um cartão, um rascunho do que eu deveria te dizer, um molde desta minha alma para deixar para você. Mas tornou-se um texto, com tantos erros, acertos e possibilidades, quanto as que você me permitiu viver todos estes anos. Anos...
De minutos, para horas. De horas para dias. De dias para meses. De meses para anos e eu ainda busco em mim a resposta para o porque gosto tanto de você. Por que me permiti tanto ?Por que os inumeros bailes em que pisei no seu pé ? Por que todas aquelas reuniões em que dei um e outro fora. E os trabalhos em que só você conseguiu me animar e dar alento, me pergunto, novamente, "por que eu te amo assim ?". E o papel rabiscado, meio amassado agora ganha um borrão que uma lágrima faz. Habito que eu não conseguirei mais corrigir. Quando as palavras faltaram todos estes anos, as lágrimas falaram muito mais do que eu tinha planejado. Chego ao paragrafo final, e leio, tranquilo... com um sono. E cada vez mais incomodado pela luz, do dia que chega.

"Meu grande amor. Hoje é meu último dia de vida. Como bem sabe, estamos todos assim marcados, com esta marca de Caim. Deixamos o paraiso e como ultima dadiva das muitas que tinhamos, nascemos já conhecendo o dia em que iremos morrer. Todos estes anos eu vivi ao seu lado, pensando qual seria a sua data. No começo quando combinamos de não contar , de sequer comentar a respeito do assunto, eu consenti, mas todos este tempo vivi com um peso de não ser o suficiente. Eu tentei te amar ao limite do que eu era e do que eu sou, para não perder um instante desta vida. E por fim vejo que o meu dia chegou e o seu não. Daqui a alguns minutos quando você despertar eu estarei aqui. De forma resoluta, perpetua e tão intransigente quanto todos os meus caprichos, eu estarei aqui. Uma última vez tento inovar o que tantas vezes chegou a te aborrecer... esse gostar simples e sincero. Talvez acerte. Talvez resgate um sorriso deste seu rosto. E de tudo o que eu poderia dizer, não há nada melhor do que isto, que eu aprendi com estes anos ao seu lado... a unica verdade : quando você desperta para este mundo, sou eu quem sonha ao seu lado.

P.S.: Seu omelete é o melhor do mundo "

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